segunda-feira, 21 de novembro de 2011

DESCASO COM A MEMÓRIA

TJ-RS anuncia descarte de processos e gera polêmica

Grupo de historiadores teme que a medida elimine documentos importantes

TJ-RS anuncia descarte de processos e gera polêmica<br /><b>Crédito: </b> Paulo Nunes
TJ-RS anuncia descarte de processos e gera polêmica 
Crédito: Paulo Nunes
Montanhas de papel que hoje abarrotam os arquivos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul devem sumir das prateleiras a partir de dezembro. Em iniciativa pioneira, o Judiciário gaúcho pretende analisar 11 milhões de processos para selecionar aqueles que poderão ser descartados e reciclados. Contrariado com a medida, um grupo de historiadores teme que possa haver perdas relevantes. Um abaixo-assinado, na Internet, pede a revisão do projeto.

A falta de espaço e o custo de manutenção levaram o TJ-RS a dar início ao projeto. Ao todo são 13 milhões de processos já concluídos, armazenados em cinco prédios na Capital. No maior, o Arquivo Judicial Centralizado, no bairro São Geraldo, muitos documentos têm de ser colocados no chão. Com a medida, o Judiciário espera economizar R$ 950 mil por mês, referentes ao aluguel de três prédios - os outros dois pertencem ao Estado.

Para o juiz-assessor da 3 Vice-Presidência do TJ, Jerson Moacir Gubert, a grande vantagem do projeto é facilitar a pesquisa aos documentos mais importantes. Ele alega que, com o descarte de processos sem relevância histórica, os demais serão melhor preservados e estarão mais acessíveis às partes e aos pesquisadores. "Hoje uma comarca do Interior, para conseguir um processo, leva dias, às vezes semanas. O trâmite é lento e tem custos", observa Gubert. A estimativa dele é de que sejam descartados 60% dos processos.

Para executar o serviço, o TJ-RS contratou a Corag. A classificação terá início no próximo mês, com prazo de 12 meses, prorrogável por mais três. O custo é de R$ 4,3 milhões. Serão 288 funcionários, em dois turnos. "Se fôssemos fazer uma avaliação processo a processo, com os servidores que nós temos, levaríamos talvez 100 anos", justifica Gubert. Não haverá digitalização dos arquivos eliminados. "Se fôssemos fazer isso gastaríamos mais de R$ 1 bilhão. É quase todo o orçamento do Judiciário."

Os processos que se iniciaram até 1949 - cerca de 250 mil - serão preservados. Estes documentos foram salvos do incêndio que consumiu o Palácio da Justiça, naquele ano. Para analisar o descarte dos demais, uma comissão interdisciplinar, com a participação de historiadores, arquivistas e entidades da sociedade civil, foi chamada a debater o tema.

"Todos os processos destinados à eliminação poderão ser examinados por historiadores ou integrantes de entidades", detalha o juiz. Ele ressalta que a intenção de vender o papel para a reciclagem dá um caráter sócio-ambiental à iniciativa. "Não vamos simplesmente picotar ou botar fogo", afirma.

Historiadores reagem à iniciativa 

A decisão do Tribunal de Justiça de eliminar parte do seu acervo provocou a reação dos historiadores. A Associação Nacional de História (Anpuh) encaminhou ofício ao presidente da Corte, desembargador Leo Lima, em que manifesta preocupação com a iniciativa.

"Achamos que pode haver descarte de documentos, mas que isso tem de ser precedido de um estudo bem detalhado do conjunto dessa documentação", afirma o presidente da Anpuh e professor de História da Ufrgs, Benito Schmidt. Ele acredita que o prazo de um ano é pouco para analisar mais de 10 milhões de processos. "Do jeito que está se fazendo, vamos ter uma perda de informações muito grande."

A sugestão dos historiadores é que seja adotada uma sistemática adequada à gestão documental. Uma das alternativas, segundo Schmidt, é a chamada compactação: nos processos que são muito semelhantes, preserva-se apenas um e nos outros coloca-se um aviso sobre onde encontrar as informações.

A grande dificuldade, conforme o presidente da Anpuh, é separar o joio do trigo: estabelecer o que tem e o que não tem valor histórico. "É um atentado às normas da disciplina histórica, porque o que hoje para nós não tem valor poderá ter para a próxima geração", acredita. Para Schmidt, o valor dos processos judiciais está em contar aquilo que não está presente na historiografia tradicional. "Em geral, a documentação fala mais das elites, enquanto que nos processos temos muitos populares, excluídos, mulheres, negros. É uma parte da história que, se for eliminada, será um dano muito grande para a memória pública brasileira."

Na Internet, um abaixo-assinado pede a revisão imediata das medidas que irão promover o descarte de processos do TJ-RS. A manifestação também cobra uma maior participação de historiadores na discussão sobre o destino dos documentos. Mais de 370 pessoas já apoiaram a causa, lançada por um grupo de historiadores, pesquisadores e estudantes gaúchos. Na próxima semana, o documento deverá ser encaminhado ao TJ.


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